Quarta Colônia de Imigração Italiana

Aos 125 anos, Quarta Colônia quer reencontrar seus caminhos

Silveira Martins, a Quarta colônia de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, comemora, a 19 de maio de 2002, os 125 anos de sua fundação, pelo decreto imperial de 19-5-1877. Sempre que se aborda a Quarta Colônia, surgem duas dificuldades. A primeira, de quem fala ou escreve, pois precisa fazer grande esforço para situá-la. A segunda vem dos destinatários, que ficam surpresos, buscam explicações e fazem perguntas. Por que Quarta Colônia? Quarta, em relação a quê? - Por que foi fundada dois anos depois de Conde d'Eu, Dona Isabel e Campo dos Bugres? Por que tratá-la como Quarta Colônia e não pelo seu nome, Silveira Martins? Por que é tão pouco conhecida?

As respostas a tais perguntas exigiriam estudos de geografia, política, economia e sociologia. Mas, nos limites deste artigo, vou prestar, em seis pontos, algumas informações didáticas, para satisfazer a curiosidade dos leitores.

1. O começo

O Imperador D. Pedro II, preocupado com as terras devolutas da Serra Gaúcha, resolveu povoá-las com imigrantes, capazes, em primeiro lugar, de desenvolver uma agricultura familiar, e, em segundo lugar, de constituir uma resistência civil em caso de possíveis invasões estrangeiras. Neste primeiro plano, Silveira Martins não constava. Apenas as três primeiras colônias, Conde d'Eu, D. Isabel e Campo dos Bugres, foram projetadas em 1875.

Aqui começam as diferenças. Decorridos dois anos, o forte crescimento das correntes imigratórias exigiu a busca de novos territórios. Além disso, havia sérias dificuldades de acesso às três primeiras colônias, devido à precariedade das estradas, agravada pelo excesso de chuvas. Os responsáveis pela imigração resolveram convencer alguns grupos de imigrantes, mal chegados ao Porto de Rio Grande, a optar pela nova frente de ocupação que se situava na região central do Estado, mais especificamente, em Santa Maria. Os argumentos, sem saber exatamente quais foram, sabe-se que houve imigrantes que acharam muito bom ir a um lugar com o nome de Nossa Senhora. Assim, em novembro de 1877 e início de 1878, chegaram vários grupos de famílias, perfazendo um total aproximado de 1.600 pessoas. E todos acamparam no Barracão de Val de Buia e suas cercanias, numa precária, triste e longa espera.

2. Improvisos

Assim começou a Quarta Colônia, à sombra do improviso, qual filho temporão. Sem projeto e sem nome. Somente depois de algum tempo foi denominada Silveira Martins, o que, diga-se de passagem, não a favoreceu muito, devido ser ele um dos grandes defensores do regime imperial. Sem território claramente delimitado, sem a definição do local da sede da Colônia, sem a medição dos lotes e, especialmente, sem a presença do seu Diretor, Engenheiro Guilherme Greenhalg. A longa espera em Val de Buia, onde foi erguido o monumento do imigrante, demonstra a total falta de planejamento da nova Colônia. Nem mesmo os presumíveis quatrocentos mortos, vítimas de doenças infecciosas, foram suficientes para a tomada de decisões mais rápidas e eficazes. Somente em princípios de setembro de 1878, foi demarcada a área da sede, e começou-se a construir os pavilhões destinados à administração. O Diretor da Colônia chega em fins de setembro. Então a demarcação e a distribuição dos lotes foi acelerada. Assim foi o começo real de Silveira Martins, a Quarta Colônia.

3. Unidade e identidade

Sempre que se busca descrever a Quarta Colônia, acaba-se por compará-la às outras três Colônias. Uma observação inicial mostra que os primeiros tempos não apresentam maiores diferenças. As dificuldades costumeiras. Aqui, entretanto, além dos dramas vividos em torno do barracão de Val de Buia, faltaram os pinheiros para oferecer os pinhões salvadores e a madeira para as casas.

A identidade, portanto, das quatro Colônias imperiais é, em linhas gerais, a mesma.

O mesmo povo, os mesmo ideais, os mesmos sonhos de riqueza, as mesmas tarefas agrícolas, as mesmas técnicas, os mesmos valores, os mesmos costumes, as mesmas crenças. Aparentemente não se poderia duvidar da unidade e da identidade das quatro ragazze italianas. Tudo prenunciava uma geração de quadrigêmeas de futuro brilhante. Para isso, é suficiente lembrar a tabela do cônsul Pascoale Corte, de 1884, informando os índices de produção das quatro Colônias. Fazendo algumas comparações cruzadas, pode-se observar que Silveira Martins não ficava para trás, e, em certos itens, pode-se dizer que era superior. Vou apenas comparar Silveira Martins a Caxias no produto mais simbólico, o vinho. Caxias, com 12.540 habitantes, e Silveira Martins, com 6.001, conforme Corte, apresentam a mesma produção de vinho: dois milhões e novecentos mil litros.

Outra referência importante é o Cinquantenario della Colonizzazione Italiana nel Rio Grande del Sud (1875-1925). Nele pode-se observar que Silveira Martins seguia o mesmo ritmo de desenvolvimento de suas coirmãs. Como destaque, cito esta passagem: "Poiché il terreno che possiede ora il Signor Augusto Budel, a frutteto ed a vigneto, è il più grande esistente in tutto lo Stato, avendo una estensione che raggiunge in totale i nove ettari". O progresso no comércio, indústria, suinocultura e agricultura aparece também em destaque no território da Quarta Colônia.

4. Uma situação secundária

A Quarta Colônia não conseguiu celebrar com o mesmo brilho o 75º aniversário da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. No Álbum Comemorativo desse evento, Silveira Martins nem aparece. Quais as razões deste esquecimento? Seria um auto-esquecimento? Não tenho resposta. Talvez seja o primeiro sinal do processo de marginalização da Quarta Colônia. Outros fatos se sucederam rumo a um esquecimento quase preocupante.

Coloco-me dupla indagação: os outros a esqueceram, ou ela deixou de se mostrar? As duas alternativas são válidas. Ela deixou de se mostrar, na medida em que seus empreendimentos foram minguando. Voltando ao caso do vinho, hoje a sua produção é insignificante. E os nove hectares de fruteiras e de parreiras de Augusto Budel, hoje são uma vaga lembrança dos mais velhos.

Em segundo lugar, os estudiosos, concentrados nas Colônias da Serra, dedicaram-se a enfocar aquilo que estava à sua frente. Silveira Martins é apenas lembrada como uma concentração de imigrantes italianos na região de Santa Maria.

O Correio Riograndense de 24-7-1991, com destaque ao dia do colono, traz várias matérias sobre a região dos núcleos coloniais da Serra, mas só referências à Quarta Colônia. Há uma fotografia de Ângelo Marin com suas belas uvas, mas nenhum texto complementar. Nas páginas centrais há uma parte do diário de Andrea Pozzobon, sem falar de sua importância em Arroio Grande e São Marcos. A foto ilustrativa apresenta a travessia do rio Caí, rumo a Caxias, em 1879. Talvez não houvesse uma foto da navegação pelo Jacuí, rumo a Silveira Martins, o caminho percorrido por Andrea Pozzobon.

Mas o auto-esquecimento merece atenção especial. Próximos à celebração dos 125 anos da colônia, não se percebe movimento significativo em torno do grande acontecimento!

5.Autonomia
Três pontos, sempre enfocados para explicar a situação problemática da Quarta Colônia, são a falta de autonomia política, a descontinuidade territorial e a divisão de seu território em municípios. Fatos de significativa importância, não motivados apenas por agentes externos. Quero lembrar, a respeito, o que diz Júlio Lorenzoni em seu livro Memórias de um Imigrante Italiano (1975, p. 102, 3, 4):

"Contávamos todos que, especialmente depois da proclamação da República, o próspero e florescente núcleo colonial de Silveira Martins fosse elevado a município (...). Puro engano. Ficou esquecido (...). Qual o motivo deste abandono? A meu modo de ver, a causa principal foi a falta de direção competente. (...) Constava, na ocasião, que alguém havia sido chamado a Porto Alegre e posto a par das boas disposições que animavam o Governo; nossos dirigentes pouco se interessaram. (...) Algum tempo depois, os chefes dos municípios circunvizinhos procederam à repartição do território.(...) À semelhança dos fariseus na divisão das vestes de Cristo. ( ...) A alguém, que teria podido promover alguma reação, foi dado em seguida um "osso", e assim tudo terminou."

O projeto de emancipação, contudo, parece que continuou sendo perseguido, pelo menos por parte de algumas lideranças. Em 1898, segundo Romeu Beltrão, uma comissão de moradores de Silveira Martins foi à capital do Estado pleitear a criação de um novo município. Em 25 de novembro, a câmara de vereadores de Santa Maria informava que a pretensão de Silveira Martins fracassara. E tudo caiu no esquecimento.

O movimento de emancipação da região da Quarta Colônia é retomado pelo trabalho do Padre Luizinho Sponchiado com o objetivo de formar um município aglutinador do antigo território, dividido entre Santa Maria, Cachoeira do Sul e Júlio de Castilhos. Faxinal do Soturno, entretanto, resolve emancipar-se isoladamente, em 12 de janeiro de 1959. Torna-se o primeiro município da Quarta Colônia, mas o projeto de unificação do Padre Sponchiado sofre um golpe mortal. No ano seguinte, emancipa-se Nova Palma e, em 1965, foi a vez de Dona Francisca. Silveira Martins fez uma nova tentativa em 1963. Desta vez teria tido sucesso, se não fosse o mandato judicial, impetrado por um grupo de moradores descontentes de Faxinal da Palma. Finalmente, consegue sua autonomia em 11 de dezembro de 1987. Já na década de 1990, São João do Polêsine, Ivorá e Pinhal Grande completam a lista dos municípios da ex-Colônia.

Esta nova geografia política do antigo território da Quarta Colônia trouxe grandes benefícios, especialmente no setor viário, com a chegada do asfalto, embora ainda insuficiente, e na maior aproximação das administrações municipais em torno de projetos comuns. Atualmente, apesar das dificuldades de entendimento, pode-se pensar num futuro de desenvolvimento conjunto.

6. Projetos futuros

Não se pode falar, ainda, em grandes projetos capazes de modificar substancialmente a fisionomia da ex-Quarta Colônia, entretanto, com a melhoria viária atual e com as perspectivas próximas, tudo indica que é possível sonhar mais. Sem dúvida, a agricultura familiar e as agroindústrias deverão ser os pontos de um novo desenvolvimento. No início da década de 1990, alguns projetos, como Educação Patrimonial e o Projeto Identidade, com o Fórum da Cultura Italiana, lançaram boas sementes de uma nova mentalidade pedagógica e política. No momento, o projeto Prodesus (Programa de desenvolvimento sustentável) tornou-se um ótimo elo de ligação entre as administrações municipais.

Entre as novas possibilidades de desenvolvimento, aparece um ponto, enfocado em toda a região de Santa Maria, o do turismo, embora as propostas ainda se situem mais no nível do discurso do que em políticas concretas. Recursos naturais e histórico-culturais existem em abundância. Lembro dois fatos. O primeiro remonta ao século XIX, abril de 1893, está relacionado à passagem da expedição Regnelliana do Museu de Stocolmo, Suécia, dirigida por Carlos Axel Magnus Lindemann. Em seu relatório, Lindemann afirma que Vale Vêneto, Silveira Martins e Paraíso (hoje distrito de Paraíso do Sul) "podem ser contados entre os sítios florestais mais pitorescos e maravilhosos do Brasil inteiro". O segundo fato é muito recente. Segundo a imprensa anunciou, estaria surgindo um roteiro arqueológico que, começando em Candelária, passaria por todo o território da Quarta Colônia e chegaria até o município de Mata.

É inegável que a região toda tem excelentes e variadas condições de incentivar o turismo. O que falta, na verdade, de um lado, é uma política que pense mais no bem-estar do turista, e menos nos lucros; de outro lado, precisa-se de bons empreendimentos e de boa infraestrutura. Por enquanto, os turistas encontram nas festas religioso-gastronômicas os maiores atrativos.

Tudo indica que, embora lentamente, a Quarta Colônia voltará a reencontrar os caminhos do desenvolvimento, abertos a duras penas pelos imigrantes pioneiros que, no silêncio dos seus túmulos, devem estar murmurando: "feliz aniversário!".

 

Silvino Santin

Professor e escritor, de Santa Maria (RS)

Reportagem publicada no jornal Correio Riograndense, edição de 08/05/2002, nº. 4.782.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Porto Alegre: Sulina, 1975.

MARCHIORI, José Newton Cardoso. Gênese da Quarta Colônia. Porto Alegre: EST, 2001.

MARIN, Jérri e outros. Quarta Colônia: novos olhares. Porto Alegre: EST, 1999.

POZZOBON, Zola. Uma odisséia na América. Caxias do Sul: EDUCS, 1997.

RIGHI / BISOGNIN / TORRI. Povoadores da Quarta Colônia. Porto Alegre: EST, 2001.

SANTIN, Silvino. Imigração esquecida. Porto Alegre: EST, 1986.

SANTIN, Silvino e ISAIA, Antonio. Silveira Martins: Patrimônio Histórico e Cultural. Porto Alegre: EST, 1990.

 

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